PIB do 2º trimestre trará recessão recorde; analistas veem recuperação do nível pré-pandemia só em 2022


Estimativa do mercado é que economia brasileira registrou tombo recorde em torno de 8% a 10% no 2º trimestre, o que colocará o país oficialmente em recessão, com perdas que superam qualquer uma das recessões dos últimos 40 anos. Esperados para o próximo dia 1º de setembro, os dados do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deverão mostrar que o tombo da economia com a pandemia no 2º trimestre deste ano foi menor do que o inicialmente se imaginava. Mas é consenso entre o mercado e o próprio governo que a retração do foi drástica, colocando o país em recessão técnica – ou seja, com recuo do nível de atividade por dois trimestres consecutivos.
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Mesmo com uma reação forte de setores como comércio e indústria nos últimos meses, e melhora das expectativas para o PIB de 2020, os analistas avaliam que o país só deverá recuperar o patamar pré-pandemia em 2022, e alertam para o risco de perda de fôlego da economia a partir do final do ano, em meio ao encerramento ou enxugamento de medidas de alívio dos reflexos da pandemia no país e aumento do desemprego.
Levantamento do G1 aponta para uma estimativa de retração acima de 8% da economia brasileira no 2º trimestre, frente aos 3 meses anteriores. Das 12 consultorias e instituições financeiras consultadas, 10 esperam um tombo de até 10% – patamar em linha com o da última projeção do governo.
Projeções para o PIB
Economia G1
PIB regride ao patamar de 2009
A maior queda já registrada pelo IBGE foi a do 4º trimestre de 2008, quando o PIB desabou 3,9% na comparação com o trimestre imediatamente anterior. A série histórica oficial de dados trimestrais, no entanto, foi iniciada apenas em 1996.
Estudo do Ibre/FGV, que reconstruiu a série trimestral do PIB desde os anos 80, mostra que o encolhimento da economia nos meses entre abril e junho foi de longe o mais intenso dos últimos 40 anos. Segundo as pesquisadoras Luana Miranda e Juliana Trece, a maior queda até então havia sido a do 4º trimestre de 1990, quando a economia teve retração de 4,7% ante os 3 meses anteriores.
Pelas contas da economista Silvia Matos, também do Ibre FGV, confirmada a expectativa de queda de mais de 8% do PIB no 2º trimestre, a economia brasileira irá regredir ao patamar que se encontrava no 3º trimestre de 2009. Ou seja, para o nível de 11 anos atrás. São esperados números negativos em praticamente todos os componentes do PIB no 2º trimestre, com exceção do agronegócio.
No 1º trimestre, o PIB encolheu 1,5%, retornando ao nível do segundo trimestre de 2012, interrompendo uma trajetória de 12 meses de recuperação da economia.
Pior recessão em 40 anos
A queda recorde em apenas um trimestre também deverá superar a perda acumulada em qualquer uma das últimas 9 recessões que o Brasil passou nos últimos 40 anos. Por sinal, o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), da FGV, considera que o Brasil entrou em recessão já no 1º trimestre.
Luana Miranda estima uma perda acumulada de 11% nos dois primeiros trimestre do ano e um cenário de recuperação lenta, mesmo que o país consiga sair da recessão técnica já no 3º trimestre.
“As revisões caminharam para um cenário um pouco melhor no ano e no segundo trimestre. Ainda assim, esperamos que o PIB só retome ao nível pré-crise no segundo semestre de 2022. Projetamos crescimento de apenas 2,4% no ano que vem, de modo a não recuperar nem metade do que foi perdido esse ano”, afirma.
Últimas recessões do Brasil
Arte G1
Ainda que a nova recessão tenha origem numa crise sanitária e seja diferente de todas as anteriores, ela chega com o agravante de derrubar a economia antes mesmo do país ter conseguido se recuperar completamente das perdas da recessão de 2014-2016.
Recuperação ‘capenga’, em formato ‘V da Nike’ ou de ‘raiz quadrada’
A avaliação geral é que o fundo do poço foi mesmo abril e que o pior da crise já ficou para trás. Os primeiros indicadores de julho mostram que a recuperação continuou ganhando fôlego neste 3º trimestre.
Os economistas alertam, entretanto, que a reação tem sido bem heterogênea entre os diversos setores da economia e que entre os componentes do PIB que ainda estão sendo afetados pela pandemia estão o consumo das famílias, os investimentos e os serviços – sobretudo os prestados às famílias e os relacionados a lazer, que demandam maior aproximação física ou mobilidade e continuam com atividades restritas por precauções sanitárias e medo de contágio do coronavírus.
A perspectiva de um ritmo de recuperação mais lento que o da queda tem levado analistas e o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, a falar em uma trajetória em formato de “V” longo, com uma segunda perna mais deitada, semelhante ao símbolo da marca Nike, ou então na forma de radical, o símbolo matemático de raiz, dependendo da velocidade e do ritmo de redução dos estímulos.
“Parece mais aquele símbolo da Nike. A volta será mais suave, não rápida, especialmente em serviços. Mas temos que tomar cuidado também com a continuidade da recuperação. O varejo teve forte recuperação, mas parte disso foi beneficiada pelo auxilio emergencial, que tende a diminuir bastante no quarto trimestre. Isso faria com que a recuperação ficasse de fato mais lenta do que o ‘V’ tradicional, e com isso a gente ainda pode ver queda de PIB no quarto trimestre”, afirma o economista Sérgio Vale, da MB Associados.
Na avaliação do Ibre/FGV, o PIB deverá crescer em torno de 6% no 3º trimestre, recuperando parte das perdas, mas ainda há muitas dúvidas sobre o 4º trimestre.
“A questão é que esse terceiro trimestre ainda está anabolizado por medidas de atenuação do choque e não tem espaço fiscal para continuar com esses benefícios nessa mesma magnitude e intensidade. Daí vamos começar a voltar para os nossos problemas: taxa de desemprego muito alta, com muita informalidade, e um cenário de ainda muita incerteza para o investimento, que desabou com a pandemia. Portanto, a economia vai perder bastante fôlego no 4º trimestre. Não vai ser um ‘V’ normal, tem uma perna menor. É um ‘V’ capenga”, afirma Matos.
O auxílio emergencial tem garantido uma renda mensal de R$ 600 para mais de 65 milhões de brasileiros, contribuindo significativamente para reduzir a extrema pobreza e evitar um tombo ainda maior no nível de consumo. O auxílio, como aprovado atualmente, terminará de ser pago em setembro, e o governo ainda não decidiu se a ajuda será prorrogada até o final do ano e em qual valor.
Desemprego, risco de 2ª onda de Covid-19 e outras incertezas
O fim ou redução do auxílio emergencial tende a ter impactos não só no consumo das famílias como também na taxa de desemprego e na massa de rendimentos.
“Com a pandemia e o auxílio emergencial, muitas pessoas deixaram de procurar emprego. Então, há o risco de uma taxa de desemprego pior no 4º trimestre e início do ano, mesmo porque o mercado de trabalho depende muito da retomada plena do setor de serviços, que é o que mais emprega”, destaca a economista do Ibre.
Para o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, o ritmo de recuperação da economia será ditado não só pela evolução do emprego e da renda como também pela dinâmica da pandemia e risco de novos surtos de Covid-19.
Ele avalia também que a queda do emprego formal e do número de brasileiros ocupados também indicam que a recuperação será lenta, diante da confiança ainda baixa dos empresários e dúvidas relacionadas à recomposição da renda formal, que costuma puxar a ocupação informal. Em apenas 3 meses, o Brasil perdeu quase 9 milhões de postos de trabalho.
“Se as formas lembrarem um V, um W ou um radical, fique à vontade para escolher. O porém é que não se sabe quanto cai, quando começa a subir, quanto sobe e o ritmo. Nosso cenário hoje é que volta a crescer na virada do ano, com quedas cadentes até lá”, afirma Gonçalves. O economista projeta um tombo de 5,8% do PIB em 2020 e retorno ao nível pré-Covid apenas no terceiro trimestre de 2022.
Já pelos cálculos da economista Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências, o patamar pré-pandemia só será retomado no final de 2022.
“A demora tem a ver com os efeitos mais permanentes da pandemia sobre empresas (falências) e sobre o ritmo de contratação de pessoas e também com o nível maior incerteza envolvendo o ambiente político e questões fiscais”, afirma.
Entre as incertezas domésticas, os economistas citam ainda as preocupações sobre a trajetória da dívida pública, em meio às discussões sobre o Orçamento 2021 e manutenção ou flexibilização do teto de gastos, e as dúvidas quanto ao ritmo de andamento de reformar como a administrativa e tributária.
“Por mais que o discurso do governo tenha sido de tentar contemporizar as tentativas de furar o teto, não será difícil ver a pressão crescer por parte do presidente, do centrão e dos militares em cima do Ministério da Economia para ser mais condescendente com o gasto publico”, avalia Vale, que projeta um tombo de 5,3% do PIB em 2020 e alta de 2,2% em 2021.
No cenário “otimista” do Ibre/FGV, considerando taxa de crescimento de 2,4% em 2021, de 3% em 2022, e em torno de 2,25% nos anos seguintes, o Brasil só deverá retornar ao nível de atividade pré-crise de 2014 em 2024. Ou seja, levará 10 anos para concluir o processo de recuperação da economia retornar ao último pico.
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By Fred Souza

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