Indústria tem tombo recorde, mas recupera fôlego ao longo do trimestre


Especialistas ouvidos pelo G1 observam possibilidade de defasagem ainda maior do setor industrial em meio à pandemia do novo coronavírus, reduzindo sua competitividade mundo afora. Produção de veículos na fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo (SP)
Divulgação/Volkswagen
Apesar de números sufocantes, o setor industrial recebe o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) para o segundo trimestre com um discreto sabor de alívio.
Em linha com os demais setores pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estes foram os piores números da história da indústria no país. A queda foi de 12,3% na comparação com os três meses anteriores, conforme os dados divulgados nesta terça-feira (1º), que apontaram um tombo de 9,7% no PIB do país no segundo trimestre.
Mas o respiro, contudo, vem das sondagens mensais que mostram alguma recuperação do setor depois do tombo de abril. Naquele mês, a produção industrial medida pelo IBGE caiu mais 19,2%, após uma queda de 9,1% em março. Mas nos meses seguintes, houve alta de 8,2% e 8,9% para maio e junho.
Ainda que o crescimento tenha reaparecido, é cedo para falar em recuperação. Para a economista Renata de Mello Franco, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), o resultado deste trimestre para a indústria mostra o efeito específico do fechamento de fábricas por conta das políticas de isolamento social para combate à pandemia do novo coronavírus.
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Os crescimentos vistos em maio e junho, assim, são apenas reflexos de uma retomada lenta dos trabalhos, em que empresários industriais reabriram suas plantas com capacidade reduzida, turnos menores, poucos funcionários e alta ociosidade.
“O principal é não ter uma segunda onda de contágio. Um novo lockdown pode nos mostrar um novo fundo do poço”, diz a economista.
O PIB do segundo trimestre não deve ter captado ainda os efeitos da contração da renda do brasileiro durante o período de crise. Será uma medição a ser feita no terceiro trimestre, se forem mantidas as medidas de relaxamento da economia, e novamente no quarto trimestre, quando será reduzida a série de benefícios sociais disponibilizados pelo governo, como o Auxílio Emergencial e saques do FGTS, que seguraram o poder de consumir de camadas mais vulneráveis.
E esse será um fator determinante para sentir a temperatura da retomada: o setor industrial ainda é bastante dependente do consumo das famílias, o que deixará no radar de empresários o ritmo de reação do mercado de trabalho nos próximos meses.
“O consumo das famílias foi o que segurou a indústria nos últimos anos e, por isso, percebe-se que o setor não conseguiu se recuperar bem da crise de 2015 e 2016”, diz Renata.
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Problemas estruturais
Dos termômetros positivos, o Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei) da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que junho, último mês do trimestre, o índice subia em 29 dos 30 setores pesquisados e tinha avanço substantivo em relação a maio (41,2 contra 34,7, de 100 pontos possíveis).
Na última edição, de agosto, o Icei chegou a 57 pontos. Acima dos 50, a perspectiva dos empresários é positiva para o setor. A nova pontuação é a que mais se aproxima do mesmo momento do ano anterior. Em 2019, o Icei era de 59,4.
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Voltar aos patamares pré-crise, contudo, está distante de ser bom sinal, pois os problemas da indústria são antigos: o setor ainda sofre para se descolar da demanda interna, já que falta competitividade com concorrência estrangeira. Além de um parque industrial defasado, os últimos anos tiveram taxas de investimento baixíssimas, que levaram junto a produtividade para o chão.
Não bastasse, a cadeia produtiva continua sendo estritamente primária, o que dificulta uma presença marcante nos mercados internacionais e deixa o país dependente do preço de commodities.
“O Brasil tem empresas de nível internacional, mas a maioria está muito longe da indústria 4.0, sem linha de produção organizada e produtividade baixa”, diz Renato da Fonseca, gerente executivo de economia da CNI.
Reforma tributária
A CNI colocou em campo uma força-tarefa para dar incentivo às reformas estruturais no Congresso Nacional. O foco principal é a reforma tributária. O setor acredita que a simplificação de impostos pode atenuar os pagamentos da indústria e gerar competitividade com a redução de custos.
A indústria opera atualmente em um regime não cumulativo, que pode ir deduzindo o imposto pago ao longo da etapa de produção via crédito com o objetivo de pagar menos imposto nas etapas seguintes. A alíquota atual do setor é de 9,25%.
A proposta do governo, que deve ser apensada às demais em curso no Congresso, uniformiza a alíquota para indústria e serviços, e permite que todos os setores façam as deduções via crédito ao longo de toda a cadeia de produção. A alíquota proposta pelo governo é de 12%, mas a indústria tem uma porção de etapas para deduzir, o que torna o regime mais simples e vantajoso.
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O economista da CNI, Renato Fonseca, entende ainda que, enquanto a mudança não sai, o país está encurralado entre exportar mais em mercado competitivo versus fornecer um produto que sai mais caro porque paga “tributo demais” e tem uma “logística mais cara”.
“Se o óleo de soja paga mais tributo que soja em grão, vai deixar o preço muito mais alto e não vai exportar”, diz ele.
“A carga tributária é elevada, mas se mantiver o patamar acabando com burocracia e dúvidas, sem legislações diferentes para cada Estado, isso reduz tantos os custos quanto a quantidade de tributo”, afirma Fonseca.
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A CNI defende ainda que programas de crédito, como o Pronampe, sejam prorrogados, pois a crise fragilizou o caixa das empresas.
Para Fonseca, o governo não tem capacidade de injetar recursos como nas crises anteriores e deveria apoiar mudanças também no mercado de capitais, incentivando a possibilidade de emissão de dívida (debêntures), e apostar em mais melhorias do ambiente regulatório. O Marco do Saneamento e a nova Lei do Gás, diz ele, são bons exemplos.
“Não basta trazer investimento privado. Não pode errar. Governos anteriores possibilitaram investimento em obras de infraestrutura que não terminaram e só geraram despesa sem aumento de produtividade”, afirma o economista. “Não pode jogar o pouco dinheiro que tem em medidas sem planejamento”.
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Exportar para quem?
Enquanto o ambiente interno não se resolve, as mudanças começam a acontecer no mercado externo. A balança comercial do Brasil teve resultado positivo durante a crise, mas pelo motivo errado: houve redução de importações por retração de investimentos.
Na outra ponta, a China ampliou o apetite na Argentina enquanto as exportações brasileiras se tornaram mais dependentes do país asiático (40% do total em junho). Os Estados Unidos negociam novos contratos mais protecionistas, como a redução de importação de aço brasileiro.
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Exceção, novamente, foi o agronegócio, que aumentou sua fatia para 32% da cesta de exportações em abril contra os demais produtos. Havia 10 anos que a agricultura não chegava em tal patamar. Trata-se de um setor de produção essencial e que nunca parou enquanto o coronavírus se espalhava.
“Com mercado interno mais fraco, o risco é de uma proliferação de medidas protecionistas nesse anseio dos parceiros de recuperar a economia e com o receio de invasão de produtos. É o pior cenário de recuperação global e para o Brasil”, diz Verônica Prates, gerente de relações institucionais da consultoria BMJ.
Para ela, ainda é cedo para falar em crise de demanda, mas é relevante estar atento aos estágios de recuperação ao redor do mundo, que são muito diferentes. “A Ásia vai na frente, mas não é fácil prever a resposta do comércio exterior no mundo inteiro”, afirma.
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By Fred Souza

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