Governo pode abrir ‘caixa de pandora’ ao remanejar verbas para obras, alerta diretor da IFI

Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente, afirma que não há sobras nas contas públicas, que devem fechar 2020 com rombo de quase R$ 900 bilhões. Governo pode abrir ‘Caixa de Pandora’, alerta economista sobre remanejamento de verbas
A equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro vem discutindo maneiras de remanejar R$ 5 bilhões para obras públicas dos ministérios da Infraestrutura e do Desenvolvimento Regional, conforme afirmou nesta segunda-feira o ministro da Economia, Paulo Guedes.
A iniciativa, porém, é vista com preocupação pelo diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, Felipe Salto.
Em entrevista à GloboNews, ele afirmou que a manobra fiscal poderia abrir uma espécie de “caixa de pandora”, em referência ao artefato que, segundo a mitologia grega, continha todos os males do mundo.
A promessa de liberação de R$ 5 bilhões para investimentos públicos foi feita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, durante reunião na última quarta-feira, no Palácio da Alvorada, segundo informações do comentarista da GloboNews Valdo Cruz.
Na ocasião, Bolsonaro afirmou que a regra do teto de gastos será respeitada — a regra limita o crescimento das despesas da União à inflação do ano anterior. Em troca, porém, Guedes prometeu “arranjar”, dentro do Orçamento deste ano, a cifra bilionária para as pastas dos ministros Tarcísio de Freitas e Rogério Marinho.
“Não é uma boa ideia transferir isso (sobras do orçamento que estão paradas) para investimentos de maneira açodada, atropelada, sendo que a gente não tem nem uma avaliação concreta a respeito de que projetos seriam esses”, afirma Salto.
“Além disso, permitir uma operação dessas, seria abrir a caixa de pandora. R$ 5 bilhões é muito dinheiro. Quando a gente olha em relação ao Orçamento, que é R$ 1,5 trilhão, parece pouco. Mas, se você começa a fazer esse tipo de contabilidade, que pode até começar a ensejar discussões, como a gente teve no passado, de contabilidade criativa, isso começa a ser um caminho perigoso”, alertou.
A projeção da IFI para o rombo nas contas do governo central em 2020 é de R$ 877,8 bilhões, ou 12,7% do Produto Interno Bruto (PIB), um recorde. “Não há sobras no Orçamento. Estamos falando de quase R$ 1 trilhão de déficit esse ano, sem contar as despesas com juros da dívida.”
Teto de gastos
O teto de gastos voltou aos holofotes na semana passada, quando o ministro Paulo Guedes fez um alerta público ao presidente Jair Bolsonaro sobre os riscos de se descumprir a atual legislação.
O titular da Economia afirmou que os auxiliares que aconselham Bolsonaro a “furar” a regra do teto estão levando o presidente para uma “zona de impeachment”.
Nas estimativas da IFI, é alto o risco de estouro do teto em 2021. Segundo a instituição, o limite máximo de despesas no ano que vem deve ser de R$ 1,48 trilhão, sendo que R$ 1,41 trilhão já serão consumidos pelas despesas obrigatórias e pelas discricionárias de caráter obrigatório. Portanto, a chamada margem fiscal do governo federal será muito restrita, de apenas R$ 75 bilhões.
“Quando a margem fiscal está muito apertada, o risco de rompimento do teto fica elevado. Porque é um nível muito baixo em relação ao conjunto de gastos que o governo precisa ter para custear a máquina pública. Ou seja, pessoal da limpeza, da segurança, os gastos com manutenção. Tudo isso tem que caber nesses R$ 75 bilhões”, afirma Salto. Também são nesses R$ 75 bilhões que o governo precisa encaixar os investimentos do próximo ano.
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Gatilhos do teto
Para Salto, porém, esse cenário “não é o fim do mundo”, já que a própria regra do teto prevê o acionamento de gatilhos em caso de rompimento.
“Os gatilhos, como diz o nome, são medidas automáticas de ajuste, que são disparadas quando o teto é rompido. Então, se o governo gastar mais do que aquele limite máximo de despesas, uma série se medidas automáticas são disparadas”, explica.
Entre essas medidas, estão a proibição de reajuste salarial para servidores e o impedimento para a realização de concursos públicos. O governo também ficaria proibido de criar despesas obrigatórias e conceder ou ampliar benefícios fiscais.
O problema, explica Salto, é que uma falha na redação da lei do teto de gastos, aprovada em 2016, impede que o governo envie ao Congresso um Orçamento já prevendo o estouro do teto.
Com isso, o governo não consegue antecipar os gatilhos previstos, o que ajudaria a conter o aumento da despesa pública.
Para sanar esse impasse jurídico, governo e Congresso articulam a aprovação da chamada PEC Emergencial, que faria o papel de regulamentar o acionamento desses gatilhos.
A Proposta de Emenda à Constituição foi enviada ao Congresso em 2019, mas teve a tramitação interrompida devido à pandemia.
Piora das projeções fiscais
Relatório da IFI referente a agosto, divulgado nesta segunda-feira, alerta para “um quadro de deterioração evidente do déficit e da dívida pública.”
O documento aponta que a receita líquida do governo central teve uma queda real (acima da inflação) de 18,1% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2019. De outro lado, as despesas primárias, que não incluem juros da dívida, aumentaram 40,3% acima da inflação.
A piora do déficit e o desempenho da economia, mesmo com juros historicamente baixos, destaca a IFI, alimentam a dívida bruta, que atingiu 85,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em junho. Em relação a dezembro de 2019, já são 9,7 pontos percentuais do PIB de aumento, caminhando para a projeção de 96,1% do PIB.
“É preciso ter claro que essa piora fiscal não constitui um risco em si. A preocupação maior reside na incerteza quanto ao pós-crise. Desde já, discute-se a relevância de o governo dar sinalizações claras em relação ao compromisso com o retorno a um modelo de ajuste fiscal que permita restabelecer as condições mínimas de sustentabilidade da dívida pública. Neste contexto, o teto de gastos exerce papel importante”, diz o documento.
Em relação à atividade econômica, a IFI destaca que a recuperação ocorre de forma heterogênea entre os setores, com destaque para indústria e comércio. Já os serviços avançam mais lentamente. A expectativa para o PIB de 2020 foi mantida em -6,5%.

By Fred Souza

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