Setor de serviços, sobretudo os prestados às famílias, foi um dos mais abalados e continua com demanda limitada por restrições sanitárias ou medo de contágio do coronavírus. Mesas interditadas para manter distanciamento em lanchonete na cidade de São Paulo; setor de serviços foi um dos mais afetados pela pandemia.
Marcelo Brandt/G1
A pandemia de coronavírus provocou um tombo recorde da economia no 2º trimestre e colocou o Brasil de novo em recessão – segundo dados divulgados pelo IBGE nesta terça-feira (1º), a queda foi de 9,7% frente aos três meses anteriores. Algumas atividades, no entanto, foram mais abaladas do que outras e tendem a ter uma recuperação mais lenta.
PIB tem queda recorde de 9,7% no 2º trimestre e Brasil entra de novo em recessão
As quedas mais acentuadas e com maior impacto no resultado do PIB (Produto Interno Bruto) foram observadas no setor de serviços e na indústria. Já pelo lado da demanda, houve retração drástica no consumo das famílias e nos investimentos.
Mesmo que diversos segmentos já mostrem uma reação, analistas ouvidos pelo G1 alertam para o risco de perda da atividade econômica na reta final do ano, em meio ao encerramento ou enxugamento de medidas de alívio dos reflexos da pandemia e desemprego em alta, e avaliam que o PIB (Produto Interno Bruto) só deverá recuperar o patamar pré-pandemia em 2022.
Os principais destaques do resultado do PIB no 2º trimestre foram:
Serviços: -9,7% (queda recorde)
Indústria: -12,3% (queda recorde)
Agropecuária: +0,4%
Indústria da transformação: -17,5%
Indústria extrativa: -1,1%
Construção civil: -5,7%
Consumo das famílias: -12,5% (queda recorde)
Consumo do governo: -8,8%
Investimentos: -15,4%
Exportação: +1,8%
Importação: -13,2%
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Confira a seguir os segmentos mais e menos impactados pela pandemia dentro de cada um dos principais componentes do PIB:
Setor de serviços sofre mais com restrições
O setor de serviços, que possui representa cerca de 70% no PIB, segue como o mais afetados pela pandemia, uma vez que diversas atividades permanecem com restrições ou até mesmo proibidas de reabrir por precauções sanitárias para evitar o contágio do coronavírus.
Segundo a série mensal do IBGE, o setor voltou a crescer em junho, após 4 quedas seguidas, mas terminou o 2º trimestre com um tombo recorde, com um volume ainda 14,5% abaixo do patamar pré-pandemia.
Entre as atividades mais prejudicadas estão as direcionadas às famílias ou relacionadas a lazer e turismo, que demandam atendimento presencial ou maior mobilidade, como escolas, hotéis, transporte aéreo, bares e restaurantes, cinemas, salões de beleza, serviços domésticos, atividades artísticas, etc.
“O segmento de serviços deve ter recuperação mais lenta em relação a outros setores, em especialmente em categorias como serviços a famílias, que incluem, por exemplo, alojamento e alimentação fora do domicílio. Esse segmento além de ter sido fortemente afetado pelas necessárias medidas de isolamento e fechamento de atividades, ainda sofre com a pandemia, pela demanda mais restrita e pelo fechamento definitivo dos negócios”, afirma a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências.
Entre as poucas exceções, os serviços de tecnologia da informação e os de armazenagem e correios conseguiram registrar uma leve alta no 1º semestre, em meio a maior demanda por serviços pela internet e por entregas.
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Supermercados sustentam varejo
O comércio varejista, que também integra o setor de serviços, tem mostrado uma recuperação mais rápida. Mesmo assim, também sofreu um tombo recorde no 2º trimestre.
A recuperação tem sido sustentada basicamente pelas vendas de supermercados, que avançaram 5,4% no acumulado no ano até junho. O segmento representa mais da metade (50,8%) de todo o volume de vendas do varejo brasileiro e, por ser considerado um serviço essencial, tem funcionado praticamente sem restrições, absorvendo inclusive parte do consumo que antes era direcionado para bares e restaurantes.
Além dos supermercados, os segmentos de artigos farmacêuticos, móveis e eletrodomésticos também já recuperaram o nível pré-coronavírus, com os lojistas conseguindo adaptar seus negócios para a venda online.
Já os maiores tombos no acumulado no ano até junho, segundo o IBGE, foram observado nas vendas de vestuário e calçados (-38,9%), livros, jornais, revistas e papelaria (-28,7%) e em veículos, motos, partes e peças (-21,8%).
Segundo estimativa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), mais de 135 mil lojas, ou cerca de 10% do total do país, foram fechadas e 500 mil empregos perdidos no Brasil entre abril e junho.
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Na indústria, tombo foi maior entre bens duráveis
A produção industrial registrou tombo recorde no 2º trimestre, refletindo os intensos efeitos da pandemia e o fechamento de diversas fábricas.
No acumulado no 1º semestre, as maiores quedas foram registradas na produção de bens de consumo duráveis (-36,8%) e bens de capital (-21,2%), pressionadas principalmente pela redução na fabricação de automóveis (-51,4%) e eletrodomésticos (-13,5%). Também houve recuo acentuado em artigos de vestuário e acessórios (-36,6%) e em couro, artigos de viagem e calçados (-33,7%).
Já a indústria extrativa e a construção civil tiveram quedas mais suaves. Mesmo assim, as vendas de novos imóveis caíram 16,6% frente ao primeiro trimestre. A surpresa positiva veio do crédito imobiliário, que registrou uma alta de 29% nos financiamentos com recursos da poupança, impulsionado pelos cortes na taxa básica de juros, atualmente em 2% ao ano – mínima histórica.
Apesar da ociosidade elevada e confiança ainda baixa dos empresários, o setor industrial foi o setor que mais criou vagas com carteira assinada no país em julho, após 4 meses de demissões em alta no país, enquanto o setor de serviços continuou perdendo postos de trabalho.
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Agronegócio passa incólume à pandemia
O agronegócio foi a exceção de desempenho positivo no 2º trimestre entre os grandes setores da economia, contribuindo para amenizar a intensidade de tombo da economia entre os meses de abril e junho. O crescimento foi sustentado tanto pela perspectiva de safra recorde, como também pelo maior interesse chinês pela soja brasileira e pelo câmbio favorável para os exportadores.
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“O agronegócio passou realmente incólume. A pandemia não atrapalhou nem a colheita nem o transporte de carga. E mesmo o setor agroindustrial, sobretudo o relacionados a alimentos, sofreu muito pouco, tanto porque a exportação continua firme e forte como porque a demanda interna para produtos essenciais segue sem queda”, afirma Silvia Matos, economista do Ibre/FGV.
Mesmo com pouco peso no cálculo do PIB, com participação da ordem de 5%, os analistas destacam que o agronegócio representa um segmento com grande protagonismo na economia brasileira, principalmente quando se leva em conta também a participação das agroindústrias (como frigoríficos) e o setor de serviços da atividade (como transporte de cargas).
O economista Sergio Vale, da MB Associados, explica que o agronegócio está passando por um “momento recorde de produção e renda”, que tem ajudado a dinamizar a economia das regiões com forte presença desse setor como o Centro-Oeste.
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Consumo tem forte retração mesmo com auxílio emergencial
Do lado da demanda, o consumo das famílias – principal motor do PIB brasileiro há anos –teve retração recorde de 12,5% no 2º trimestre. E a queda só não foi ainda maior porque as medidas de ajuda governamental, sobretudo o Auxílio Emergencial, ajudaram a amenizar os impactos da pandemia.
Com futuro ainda incerto, o Auxílio Emergencial evitou que mais de 30 milhões de pessoas caíssem para baixo da linha de pobreza, e garantiu até mesmo um aumento real da massa de rendimentos do brasileiro, permitindo alguma continuidade do consumo, em especial de bens não-duráveis, como alimentos.
Por outro lado, pesquisa Datafolha mostrou que 46% dos brasileiros constataram uma redução na renda familiar provocada pela pandemia do coronavírus. E mesmo a população de maior poder aquisitivo tem preferido poupar a consumir, segundo levantamento da FGV.
A avaliação dos analistas é que a renovação do auxílio governamental para a população mais pobre, ainda que em valor menor, será essencial para evitar uma contração abrupta da renda na reta final do ano e até mesmo o risco de uma nova queda do PIB no 4º trimestre.
“O desafio nos próximos meses, portanto, é garantir a renovação dos estímulos em volume suficiente para evitar uma recaída recessiva sem sinalizar um esvaziamento das regras fiscais vigentes – o que poderia provocar um desgaste significativo e duradouro das perspectivas fiscais do país e da credibilidade da dívida pública”, avaliou em relatório a LCA Consultores.
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Bruno Veiga Arquivo Pessoal
Investimentos desabam
As preocupações sobre a dinâmica e duração da pandemia e o baque no caixa das companhias provocado pela crise sanitária fizeram desabar o ímpeto por investimentos no país, que caíram impressionantes 15,4% no 2º trimestre.
Segundo o Ibre/FGV o tombo no 2º trimestre é o pior desempenho em pelo menos 25 anos da chamada Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), taxa que apura tudo o que se investe em máquinas, bens duráveis e construção civil.
A perspectiva é que a recuperação dos investimentos será mais lenta do que a de outros componentes do PIB, em razão da ociosidade ainda maior nas fábricas e do atraso, restrições orçamentárias para as despesas públicas e atrasos no cronograma de concessões de projetos de infraestrutura e de privatização.
Com tantas incertezas e dúvidas sobre o ritmo de recuperação da economia brasileira e mundial, ficou mais difícil para companhias e empresários se sentirem confiantes sobre a viabilidade de novos investimentos.
“A volta do investimento é a grande chave para uma sustentabilidade da retomada. A pergunta que fica é: se antes da pandemia a economia já estava com queda da produtividade, investimento lento e muita informalidade, por que agora vai ser diferente? Por isso que que a discussão sobre os nossos problemas estruturais continua sendo premente”, afirma Matos.
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