Sem trabalho por causa da pandemia, autônomo não consegue pagar aluguel e fica sem teto: ‘A gente não é nada nesse mundo’


Número de acolhimento de pessoas em situação de rua, em Curitiba, aumentou 53% durante a pandemia. De acordo com a prefeitura, 101 acolhidos testaram positivo para o novo coronavírus até 21 de agosto; todos se recuperaram. Juliano ficou sem emprego e sem casa durante a pandemia
FAS/Divulgação
A pandemia tem criado dificuldades e desafios para a maioria das pessoas. Para Juliano Ricardo, ela levou o desemprego, o despejo e a Covid-19.
Aos 42 anos, ele se viu pela primeira vez sem um teto para morar. Então, foi buscar acolhimento na Fundação de Ação Social (FAS) de Curitiba.
“Eu trabalhava no litoral, com a minha mãe, e vim para cá [Curitiba] em busca de uma outra oportunidade de trabalho que infelizmente não deu certo justamente pelo problema da pandemia. A pessoa que havia me convidado para trabalhar também foi dispensada e acabou que não deu certo. Mediante a isso, venceram-se dois alugueis seguidos e, automaticamente, o proprietário da casa pediu o imóvel”, contou Juliano.
Em meio a essas preocupações, começaram a aparecer os sintomas da Covid-19. Ele foi encaminhado para uma unidade de isolamento da FAS, onde se recuperou da doença. Juliano se junta a outras 100 pessoas acolhidas pela Prefeitura de Curitiba que testaram positivo e se curaram do novo coronavírus até 21 de agosto.
O autônomo disse que “conhecer o outro lado da moeda” tem sido uma experiência válida para ele: “É uma outra realidade da sociedade”.
“Muitas vezes você julga o livro pela capa, vê ali a pessoa em situação de rua, mas não se sabe o que tem por trás dessa pessoa”, afirmou.
Juliano está morando no hotel social da FAS e fazendo trabalhos autônomos da área da construção.
Ele acredita que logo estará empregado novamente. Depois que isso acontecer, quer voltar a ter uma vida “normal entre aspas”, que, como ele explicou, é poder pagar aluguel, retomar os estudos e viver mais independente.
“A gente não é nada nesse mundo, um grão de areia diante do oceano. Ao mesmo tempo que você está em um patamar legal, daqui a pouco você está lá embaixo. A única diferença que a gente tem como pessoas é com relação a poder aquisitivo e, talvez, conhecimento. No fim das contas, somos todos iguais, feitos de matéria, carne e osso”, afirmou.
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Aos 42 anos, Juliano ficou pela 1ª vez sem casa, por causa da pandemia
FAS/Divulgação
Insegurança para a população em situação de rua
Muito fala-se sobre os impactos do novo coronavírus em todos os setores da sociedade. A população em situação de rua também tem vivido as inseguranças geradas pela pandemia.
De acordo a diretora de Atenção à População em Situação de Rua da FAS, Vanessa Resquetti, o medo que os moradores têm sentido da Covid-19 está refletido no aumento do número de acolhimentos.
Desde quando começou a pandemia, em março deste ano, até quinta-feira (27), 93.177 pessoas em situação de rua foram acolhidas por equipes da FAS. Esse número é a somatória dos acolhimentos feitos todos os dias nesses meses.
No mesmo período, em 2019, foram 60.739 acolhimentos. Ou seja, agora em 2020, houve um aumento de 53% no número de acolhimentos.
“Estão com medo por causa do risco da pandemia”, disse Vanessa.
Curitiba tem 2.722 pessoas em situação de rua, de acordo com o Cadastro Único do governo federal. Esse cadastro não é obrigatório, portanto, pode não representar a quantidade real de pessoas que vivem nas ruas.
A população total da capital paranaense, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na quinta-feira, é de 1.948.626 habitantes.
Curitiba tem 2.722 pessoas em situação de rua, de acordo com o Cadastro Único do governo federal
Daniel Castellano/SMCS
Covid-19 na população de rua
Conforme a FAS,101 pessoas em situação de rua e que foram acolhidas pela instituição, testaram positivo para o coronavírus até 21 de agosto. Todas se recuperaram.
Elas foram atendidas em unidades de isolamento e, quando necessário, encaminhadas para a rede de saúde.
Outras 246 pessoas, de acordo com a FAS, precisaram ir para as unidades de isolamento por suspeita da Covid-19.
Três unidades de isolamento foram abertas por causa do coronavírus. Hoje, apenas uma continua funcionando. Ela tem capacidade para atender 55 pessoas.
Atualmente, há 17 pessoas acolhidas em isolamento, segundo a FAS.
Autocuidado
Vanessa explicou que a pandemia levou a questão do autocuidado para os moradores de rua.
“Fez com que olhassem mais para si, para a saúde. É um cuidado que não tinha antes”, afirmou Vanessa.
Robson Mereles Bon, de 31 anos, é de Maringá, no norte do Paraná. Já tinha morado em Curitiba antes e voltou para a capital em maio, em meio à pandemia. Sem trabalho, buscou acolhimento na FAS.
“Se não fosse esse cenário de pandemia, a história talvez teria sido outra. Teria conseguido um trabalho, já teria recomeçado a minha vida”, disse Robson.
Ele tem experiência em construção civil, em supermercado e como porteiro. Mas, agora, está desempregado.
Robson está se recuperando da Covid-19 em unidade de isolamento da FAS
FAS/Divulgação
Robson acabou sendo contagiado pelo novo coronavírus. Ele está se recuperando da Covid-19 na unidade de isolamento da FAS.
“Nesse tempo que a gente passa aqui, a gente acaba refletindo, parando para pensar um pouco em alguns aspectos da vida. Nesse momento, eu penso em cuidar de mim. Eu tenho uns problemas com álcool . Conversando com o pessoa aqui, achei melhor procurar uma comunidade terapêutica, cuidar de mim, para depois retomar a minha vida. Recomeçar uma nova história, voltar a estudar, voltar a trabalhar, quem sabe no futuro construir uma família”, afirmou Robson.
Ainda de acordo com Vanessa, desde junho, as pessoas em situação de rua têm pedido por máscaras de proteção é álcool gel. “Não precisa mais oferecer”, disse.
Antes, as equipes da FAS iam até os moradores de rua para oferecer esses itens de prevenção ao coronavírus. Agora, eles mesmo vão atrás.
Retorno familiar
Outra mudança, segundo Vanessa, foi o retorno de moradores de rua para as famílias. A FAS ajuda nesse processo.
“Muitos fizeram o retorno familiar, pediram esse acolhimento. Ficaram mais sensibilizados”, explicou.
Conforme a FAS, entre março e agosto deste ano, 2.137 pessoas em situação de rua e/ou em vulnerabilidade social retornaram para as respectivas famílias – em outras cidades do Paraná e até mesmo outro estados do país.
No mesmo período no ano anterior, 1.820 pessoas atendidas pela FAS voltaram para casa.
Equipes da FAS abordam pessoas em situação de rua para oferecer acolhimento
Ricardo Marajó/Prefeitura de Curitiba
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By Fred Souza

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