Primeira Turma do STF mantém decisão que absolveu réu confesso por tentativa de feminicídio

Sessão incluiu debate sobre machismo e soberania dos veredictos do júri popular; parte dos ministros defendeu refazer julgamento. Placar foi de 3 a 2 para manter absolvição. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve nesta terça-feira (29), por três votos a dois, a decisão do Tribunal do Júri que absolveu um réu confesso por tentativa de feminicídio em Minas Gerais.
O julgamento, com placar acirrado, incluiu um debate entre os ministros sobre machismo e a “soberania dos veredictos” – princípio do direito brasileiro que impede instâncias superiores de revisarem a decisão de um júri popular.
No caso julgado, o acusado chegou a confessar o crime e alegou que tinha sido traído pela companheira. Mesmo assim, o júri decidiu absolvê-lo. O caso foi levado ao Tribunal de Justiça de MG, que reformou a decisão por identificar que os jurados tinham votado contra as provas dos autos.
O TJ de Minas determinou então a realização de um novo júri, como prevê o Código de Processo Penal. Essa determinação foi mantida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) mas, com a decisão do STF, o julgamento inicial fica preservado, e o réu confesso, absolvido.
O Tribunal do Júri
O Tribunal do Júri decide sobre crimes intencionais contra a vida, como homicídio doloso – quando há a intenção de matar. O júri é composto por sete jurados leigos em direito e presidido por um juiz que não opina sobre a culpa ou a inocência do réu.
Segundo um princípio constitucional, a decisão do júri popular não pode ser revista por instâncias superiores, com reavaliação de fatos e provas. Se houver indícios de erro ou fraude, é preciso anular a condenação e devolver o tema à análise de um novo júri popular.
Como a condenação não pode ser revista, a “soberania dos veredictos” também é usada como argumento para defender que os condenados em júri popular comecem a cumprir pena logo após a decisão. O STF também analisa esse tema, mas o julgamento está suspenso desde abril.
STF decidirá quando condenado por júri popular cumprirá pena
Debate no STF
O caso de Minas Gerais provocou debate entre os ministros. O relator, ministro Marco Aurélio Mello, votou pela concessão do pedido do réu afirmando que a “a lei maior assegura a soberania dos veredictos”. “O que é julgamento pelo tribunal do júri, é o julgamento por iguais, por leigos”, argumentou.
Em seguida, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso divergiram.
Alexandre de Moraes afirmou que o réu “se sentiu no direito de desferir diversos golpes de faca na vítima, ou seja, crime gravíssimo contra a mulher. E pelo motivo mais abjeto possível, o fato de seu companheiro entender que sua mulher o pertence”.
“Não há dúvida que a soberania dos veredictos é do Tribunal do Júri. O Tribunal do Júri é a única instância exauriente na apreciação de fatos e provas do processo. Não necessariamente, um único conselho de sentença. A soberania está ligada ao instituto do júri no Brasil”, argumentou Moraes, defendendo ser possível a realização de um novo julgamento.
Luís Roberto Barroso criticou a decisão do júri e defendeu que ela possa ser revista.
“Não pode o Tribunal de Justiça, que é soberano na revisão dos fatos, reconhecer que ocorreu uma decisão contrária a prova dos autos e mandar realizar um novo júri? Se essa não é uma decisão contrária à prova dos autos, eu tenho dificuldade de saber o que é”, afirmou.
O ministro classificou o caso de “feminicídio em estado bruto e apenas mais uma estatística”.
“Se o júri tiver um surto de machismo, ou de primitivismo e absolver alguém, o tribunal não pode pedir que outro júri reavalie?”, questionou Barroso. “Acho que as pessoas têm um senso, meu senso de justiça se sente ofendido por se naturalizar uma tentativa de feminicídio como essa. Não gostaria de viver no país em que os homens pudessem matar sua mulher por ciúme e saírem impunes”, completou.
Últimos a apresentar voto, os ministros Dias Toffoli e Rosa Weber acompanharam o relator, sob o argumento de que o júri é soberano para decidir.
Toffoli, que passou a integrar a Primeira Turma do STF ao deixar a presidência do tribunal, afirmou no entanto que considera o Tribunal do Júri uma “instituição anacrônica”. “Ele deveria ser extinto”, defendeu. “Mas nós temos, enquanto isso não ocorrer, que respeitar a soberania do júri, seja para absolver, seja para condenar e prender de imediato”, ressalvou Toffoli.
“O veredicto é soberano, seja para condenar, seja para absolver. Por isso, sou contra essa questão do segundo júri. Já peguei caso em que era terceiro júri. Não há sentido nessa eternização desse procedimento que é anacrônico, retrógrado e que custa muito para o estado”, completou.
Rosa Weber deu o voto que desempatou o placar a favor da absolvição do réu. “Sobretudo pelo tema de fundo, a questão aqui fica mais dramática. Mas eu, sempre que examino as questões, vou percorrendo o caminho em que se põem”, disse.

By Fred Souza

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