Na fila por trabalho, pessoas trans relatam preconceitos e contam sobre o empregos dos sonhos


Nicole quer ser torneira mecânica; Luana, enfermeira; Adriano quer trabalhar com marketing e Amber, com cinema. G1 conversou com homens e mulheres trans em fila de processo seletivo especial em SP. Na fila por trabalho, pessoas trans relatam preconceitos e revelam seus empregos dos sonho
Em um cenário desfavorável de emprego devido aos impactos da pandemia, pessoas trans têm à frente desafios ainda maiores no mercado de trabalho. Na última semana, o G1 conversou com homens e mulheres trans na fila de um processo seletivo direcionado para minorias. Eles falaram sobre situações de preconceito e descreveram seus empregos dos sonhos (veja o vídeo acima).
“Procurar a gente procura, mas chega no processo seletivo, eles veem que é trans e não contratam. Estou sem trabalhar desde 2017. Só bico, fazendo umas vendas on-line, esse tipo de coisa. E às vezes aparece alguma coisa, algum trampo de jardim… O que aparecer eu tô pegando.”
A fala é de Adriano Santos Peluso, de 32 anos, enquanto aguarda sentado por sua senha no meio do repleto salão do Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo (Cate) da Prefeitura de São Paulo, no Centro. Ele sonha com uma vaga na área de marketing, já que chegou a cursar mas teve que interromper a graduação.
Com a carteira de trabalho na mão, jovem aguarda por atendimento em processo seletivo voltado para pessoas trans em São Paulo
Celso Tavares/G1
Sentada mais ao canto, Nicole Aparecida da Cruz Anjos, de 33 anos, conta sobre o emprego dos sonhos dela. “Eu queria ser metalúrgica, igual meu marido”, revela antes de rir, achando que outras pessoas poderiam fazer piada sobre o assunto.
“Tem mulher metalúrgica, né. Mas eu nunca vi trans trabalhar numa metalúrgica, e ganhar um salário de um torneiro mecânico, R$ 3,5 mil, cê tá entendendo? Difícil”, avalia Nicole.
Ela diz que não conseguiu arrumar emprego fixo nos últimas anos. “Meu amigo tem um salão, e sempre quando está muito cheio eu vou lá e ajudo ele. Mas não é uma coisa certa, todo mês. Como agora na pandemia, que é só com horário marcado. E eu vejo o salário que meu marido ganha; se eu ganhasse o mesmo salário que ele, a gente moraria num bairro bem melhor, teria uma vida bem melhor, viajaria mais. Poderia curtir mais”, reflete.
Do topo esquerdo, em sentido horário: Adriano, Amber, Nicole, Teyte e Luana. Processo seletivo com vagas destinadas a pessoas trans atraiu centenas de pessoas em São Paulo
Celso Tavares/G1
O número de desempregados no Brasil cresceu 20,9% entre maio e julho, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, caiu em 3,5% o número de trabalhadores ocupados na comparação com maio, e o país também perdeu 1,9 milhões de trabalhadores informais em três meses.
O reflexo desses números foi sentido pelo projeto da Prefeitura de São Paulo que viabiliza os processos seletivos especiais para pessoas trans. Em 2019, o programa “Transcidadania” realizou oito dessas seleções ao longo do ano. Já em 2020 esse é apenas o segundo processo, após um grande evento em janeiro que marcou o “Dia da Visibilidade Trans” na cidade.
Luana de Lima Ramos, de 22 anos, também compõe o grupo dos desempregados e aguarda a vez para a entrevista no processo seletivo. Depois de completar sua transição no ano passado, ela voltou a estudar. “Entrei no supletivo, terminei, e este ano eu já entrei na faculdade de enfermagem. Estou aí engajada no meu caminho profissional”, conta, sonhando com um emprego na área da saúde.
“Prezo muito a educação, o estudo. Não é porque eu sou trans que eu tenho que virar estatística, não. A minha família me aceita, a minha família me apoia. Então eu tenho que correr atrás do meu. Não é porque eu sou o que sou que vou deixar de fazer minhas coisas, seguir o meu sonho e seguir minha carreira profissional, que eu acho que é mais importante. Principalmente no Brasil em que a gente vive hoje”, completa Luana.
Amber Kepler, também de 22 anos, conta que já trabalhou nas áreas de arte e moda, e sonha em caminhar no futuro para a área de cinema. No processo seletivo, ela se candidatou para uma vaga de atendimento em agência bancária.
“Dificilmente as empresas vêm com essa política de diversidade. O mundo do trabalho deveria abranger e acolher a todos, sem distinção de gênero e raça, mas a gente sabe que isso não acontece. Já é bem opressor você ser separado e ter que procurar vagas específicas em empresas específicas pra trabalhar”, diz Amber.
Em busca de emprego, pessoas são atendidas em guichês do Cate (Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo) na Zona Central de São Paulo
Celso Tavares/G1
Teyte Eduardo Rodrigues Santos se mudou de Brasília para São Paulo no ano passado, e há meses busca um emprego. Ele conta que se decepcionou por não encontrar uma vaga que lhe atendesse no Cate.
“Na hora, quando eu fui lá, não tinha mais nenhuma vaga pro meu perfil. E as outras vagas, muitas pessoas falaram pra mim que estavam pedindo ensino superior. E exigir ensino superior de pessoas trans… A dificuldade que a gente tem pra poder se formar numa escola é bem grande”, afirma.
A Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho de São Paulo afirma que as “oportunidades de emprego diminuíram de maneira geral neste período de pandemia”, mas que tem trabalhado para sensibilizar empresas quanto à diversidade em seus quadros.
Initial plugin text

By Fred Souza

Veja Também