Governo publica nova portaria com regras sobre aborto em caso de estupro, mas mantém obrigatoriedade de médico avisar a polícia


Nova edição é publicada na véspera do julgamento da portaria pelo STF, sem a palavra “obrigatoriedade”. Para especialistas, mudança é apenas ‘jogo de palavras’ e uma manobra política do Ministério da Saúde. Cartazes de apoio às mulheres em frente ao hospital Pérola Byington, na região central da capital, responsável pelos procedimentos de aborto legal. Dezembro de 2019
Celso Tavares/G1
O governo federal publicou nesta quinta-feira (24), no Diário Oficial da União (DOU), uma nova edição da portaria que estabelece o procedimento para realização de aborto em caso de estupro. Apesar de retirar a palavra “obrigatoriedade”, o novo texto mantém a regra dos profissionais da saúde de denunciarem o caso à polícia, independentemente da vontade da vítima.
“A reedição manteve a obrigatoriedade da notificação dos profissionais da saúde à polícia. Eles apenas mudaram a regra de lugar na portaria, que antes estava no Artigo 1 e agora está no Artigo 7º”, explica a pesquisadora em gênero do Anis – Instituto de Bioética, Luciana Brito.
A nova edição foi publicada um dia antes do Supremo Tribunal Federal julgar a imposição dos profissionais da saúde em denunciar o caso à polícia, descrita em portaria editada no fim de agosto. Por isso, especialistas, a publicação desta quinta pode ser uma manobra política.
“Isso [nova edição] pode ser uma jogada política para confundir o STF, mas a gente espera que o ministro relator entenda que a natureza da reedição da portaria é a mesma”, afirma Brito.
A professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora em gênero, Débora Diniz, afirmou nas redes sociais que a reedição da portaria é um “jogo de palavras” e “uma chacota” com o STF.
“Ministério da saúde reeditou a portaria do aborto. Na véspera do julgamento do STF. Uma chacota com a corte pelo jogo de palavras. O dever do médico de comunicar a polícia ficou ainda pior: agora há referência legal para intimidar os médicos”, publicou nas redes sociais a pesquisadora Débora Diniz, da Universidade de Brasília (UnB).
Por outro lado, Brito destaca que a nova portaria retirou o trecho que determinava que a equipe médica deveria informar à gestante a possibilidade de se realizar uma ultrassonografia, para que a vítima de estupro visualizasse o feto ou embrião.
“Como é uma situação de estupro, a mulher poderia ser submetida a uma situação de tortura [ter que ver o feto resultado do estupro]”, diz a pesquisadora.
Outra mudança foi a retirada do artigo que dizia que a paciente deveria “proferir expressamente sua concordância, de forma documentada” ao procedimento do aborto em caso de estupro.
O texto foi publicado no DOU nesta quinta tem a assinatura do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
No Brasil, o aborto é permitido por lei e realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em três cenários:
se a gravidez é decorrente de estupro;
se a gestação representa risco de morte para a mãe;
e em caso de bebês com diagnóstico de anencefalia (sem cérebro viável).
Em nota, o Conselho Federal de Medicina (CFM) informou que encaminhou a nova edição da portaria sobre as regras para realização do aborto legal ao Departamento Jurídico.
“O CFM tomou conhecimento da portaria publicada pelo Ministério da Saúde e a encaminhou para avaliação de seu Departamento Jurídico e de sua Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia. Os conselheiros e técnicos vão analisar os pontos contidos no documento e seu impacto no exercício da profissão”.
O que diz o Ministério da Saúde
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que a portaria oferece segurança jurídica aos profissionais da saúde e que a notificação à polícia é importante para que a Justiça inicie as investigações o quanto antes.
“A normativa mantém o apoio e a segurança jurídica aos profissionais de saúde envolvidos no procedimento. O objetivo é reduzir o número de casos de violência sexual contra mulheres e crianças e apoiar as autoridades policiais na identificação dos responsáveis, garantindo a segurança e proteção de pacientes com indícios ou confirmação de abuso sexual. A partir da notificação policial, se torna possível a instauração de procedimentos que possam levar à punição rápida dos criminosos”, disse a pasta em nota.

By Fred Souza

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