Especialistas criticam fala de Bolsonaro sobre não poder ‘obrigar ninguém a tomar vacina’

Presidente deu declaração a apoiadora no Alvorada, mas lei de fevereiro prevê vacinação compulsória. Entidades dizem que fala põe em risco adesão à futura vacina contra a Covid-19. Declaração do presidente Bolsonaro sobre vacina gera críticas de especialistas
Entidades e especialistas reagiram, nesta quarta-feira (2), à declaração do presidente Jair Bolsonaro de que ninguém poderia ser obrigado a tomar vacinas. A frase foi dita no momento em que as esperanças da comunidade científica se voltam para a descoberta de vacinas eficazes para frear o avanço da pandemia do novo coronavírus.
Bolsonaro deu a declaração na última segunda (31), em conversa com apoiadores na porta do Palácio da Alvorada. Uma mulher, que se identificou como profissional de saúde, disse a Jair Bolsonaro que era preciso cuidado com as vacinas em desenvolvimento contra a Covid-19.
Em resposta, o presidente disse que “ninguém pode obrigar ninguém” a receber a vacina.
Na terça (1º), a Secretaria de Comunicação da Presidência da República divulgou peça publicitária com a mesma mensagem. A imagem repetia a frase de Bolsonaro e dizia que “o governo do Brasil preza pela liberdade dos brasileiros”.
A Sociedade Brasileira de Imunizações, no entanto, lembra que a vacinação está entre os instrumentos de maior impacto positivo em saúde pública, em todo o mundo. Ao longo da história, diz a entidade, as políticas de vacina contribuíram de forma inquestionável para reduzir a mortalidade e aumentar a qualidade e a expectativa de vida da população mundial.
“Nós temos alguns exemplos muito importantes aí, que mostram o valor da vacinação. Um deles é a poliomielite, né? O último caso dela no Brasil foi em 1989, mas a doença ainda circula no mundo. Se nós não tivermos coberturas vacinais adequadas, essa doença pode voltar”, afirma o presidente da entidade, Juarez Cunha.
“Nos preocupa muito essa fala, até porque, das próprias principais medidas do início do governo, uma delas era melhorar as coberturas vacinais. Então, tem um contrassenso”, completa.
Risco de descrédito
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O presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia, Ricardo Tostes Gazzinelli, também aponta riscos no posicionamento de Bolsonaro. Segundo o doutor em bioquímica e imunologia, o descrédito lançado sobre a imunização é um problema grave.
“De uma maneira, essa fala pode levar pessoas a não quererem se vacinar, não darem importância à vacinação. Então, se nós chegarmos a ter uma vacina com eficácia significativa, isso [a fala do presidente] pode prejudicar o controle da Covid”, diz.
A diretora da Sociedade Brasileira de Infectologia, Lessandra Michelin, lembra que é dever das autoridades públicas, assim como dos profissionais de saúde, conscientizar a população sobre a importância da vacinação.
“O nosso sistema de imunização é reconhecido internacionalmente. Temos as principais vacinas para proteger a nossa população nas diversas faixas etárias. Calendários vacinais para crianças, adultos, adolescentes, gestantes e também idosos. E agora, estamos bastante ansiosos pela vacina contra a Covid e a gente sabe que a maior parte da população vai precisar fazer essa vacina”, diz Lessandra.
A imunização contra o novo coronavírus, segundo a especialista, é fundamental para atingir o que ficou conhecido como “imunidade de rebanho”. O termo designa a situação em que a maior parte da população já está imune à doença e, por isso, mesmo aqueles que se contaminam têm menor risco de passar a doença adiante.
Em discursos desde o início da pandemia, Bolsonaro já defendeu que a maior parte da população mundial teria Covid-19 até que essa imunidade fosse atingida. A vacinação, no entanto, é uma forma de chegar ao mesmo efeito sem que as pessoas precisem adoecer.
“Caso uma parte da população não possa fazer a vacina, quem fizer já vai estar protegendo a maior parte das pessoas. Não só a si, mas às pessoas com quem ela convive”, explica Lessandra.
Obrigação está na lei
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Apesar de ter dito que ninguém pode ser obrigado a se vacinar, o próprio presidente Jair Bolsonaro sancionou, em fevereiro, lei que prevê a vacinação compulsória. A medida é uma das opções disponíveis para as autoridades no enfrentamento da Covid-19, junto a outras ações de prevenção.
O texto diz, inclusive, que “as pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas neste artigo, e o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei.”
Advogados criminalistas ouvidos pela TV Globo também afirmam que há mecanismos no Código Penal para punir quem, eventualmente, se recusar a tomar vacina. A pessoa que fizer essa escolha frente a uma doença grave e altamente contagiosa pode ser penalizada por “atentar contra a saúde coletiva”.
Brasileiros querem a vacina
Em agosto, o site do jornal “Folha de S. Paulo” divulgou pesquisa Datafolha sobre o tema. O levantamento mostrou que 89% dos brasileiros pretendem se imunizar contra o novo coronavírus, tão logo uma vacina eficaz esteja disponível.
Na mesma pesquisa, 9% dos entrevistados disseram não querer a vacina, e outros 3% não souberam responder. O levantamento foi feito nos dias 11 e 12 de agosto e a margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.
Mourão ameniza tom
O vice-presidente Hamilton Mourão também falou sobre o tema nesta quarta. Perguntado sobre a declaração de Bolsonaro, o vice amenizou o tom e tentou justificar a frase do presidente.
“O que o presidente quis dizer na minha visão, né, vamos colocar o seguinte. O presidente assinou um decreto, acho que em fevereiro, regulamentando essa questão da vacina. Mas você não consegue agarrar todo mundo pelo braço e dizer: ‘vai tomar vacina, né?”‘, diz Mourão.
“Vai cobrar cartão de vacina de todo mundo? O camarada vai transitar na rua, ‘cadê seu cartão de vacina’? Então, foi isso que ele quis dizer. Não foi nada de mais, isso aí. […] O que ele quis colocar é que você não consegue ter a coerção pra obrigar todas as pessoas a se vacinarem”, avalia o vice-presidente.
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By Fred Souza

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