Barroso vê ‘fanatismo religioso’ e diz que aborto de menina de 10 anos foi ‘interrupção legítima’

Ministro classificou caso como ‘tenebroso’ e disse ter convicção de que Estado não pode obrigar mulher a ter filho que não deseja. Criança engravidou após estupro; tio é principal suspeito. O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, afirmou nesta sexta-feira (21) que “foi legítima” a interrupção da gravidez de uma menina de 10 anos vítima de estupro no Espírito Santo – o tio é o principal suspeito. Segundo o ministro, a resistência ao aborto representou fanatismo religioso.
A menina foi atendida em um hospital de referência no Recife e fez o procedimento com autorização da Justiça. Ela estava grávida de 22 semanas e quatro dias.
“Ali, o que se teve o que se teve foi evidentemente o direito daquela menina, sendo que é uma das exceções previstas no Código Penal para interrupção legitima da gestação. E de outro lado, como você bem observou, o fanatismo religioso”, afirmou o ministro durante debate virtual realizado pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho.
A gravidez foi descoberta após a menina ser levada a um hospital no início do mês com dores na barriga, quando ela revelou que, há quatro anos, vinha sendo estuprada pelo próprio tio. A polícia indiciou homem de 33 anos por estupro. O homem foi preso.
Atualmente, o aborto é autorizado no Brasil em três situações: se houver risco de morte para a mulher por causa da gestação; se a gravidez foi provocada por estupro; se o feto é anencéfalo (sem cérebro).
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O ministro classificou o caso como “tenebroso”, e afirmou que estupro de vulnerável é caso “mais comum do que se pensa”. Segundo Barroso, o julgamento de casos de violência sexual contra vulneráveis faz parte da rotina de julgamentos da Primeira Turma do STF.
O ministro defendeu o procedimento realizado pela menina, e questionou a ação de grupos religiosos contrários ao aborto, que chegaram a fazer manifestações e agredir funcionários nos arredores do hospital onde a criança estava internada.
“Eu tenho muita dificuldade e de compreender esse Deus agressivo e intolerante que inspira essas pessoas. Na minha posição filosófica antiga, eu acho que enquanto o feto não tem nenhuma viabilidade de vida extrauterina e enquanto não haja risco para a mãe, qualquer mulher tem o direito de interromper uma gestação”, completou.
O ministro criticou a criminalização da prática e disse que o Estado não pode obrigar uma mulher a ter um filho.
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“Respeito as posições contrárias, acho que o aborto é indesejável, deve ser evitado. Mas acho que a criminalização é uma política pública equivocada, que viola os direitos fundamentais da mulher. Tenho convicção muito profunda de que o Estado não tem direito de mandar a polícia, o MP, ou um juiz obrigar a mulher ficar grávida do filho que ela não deseja”.
Assunto na Justiça
Tramita no STF uma ação apresentada pelo PSOL que pede a liberação do aborto para grávidas com até 12 semanas de gestação. Não há data para julgamento do processo.
O partido questiona a criminalização do aborto, citada nos artigos 124 e 126 do Código Penal de 1940. A norma, segundo o partido, viola preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da não discriminação, da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, da saúde, entre outros.
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By Fred Souza

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